Filosofia e Pedagogia

Filosofia e Pedagogia

 

O CONHECIMENTO FILOSÓFICO[1]

Prof Ms Claudemir Oliveira

 

EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM

Metas: Ao final desta unidade esperamos que você:

  • Conheça as características que constituem o pensamento mítico
  • Identifique as peculiaridades do pensamento filosófico.
  • Perceba as diferenças entre Mito e Filosofia

 

MOBILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

INTRODUÇÃO

 

Desde os primórdios da humanidade o homem sempre se preocupou em compreender e explicar o mundo à sua volta, sempre se preocupou em obter respostas para algumas perguntas fundamentais como:

De onde vim?

Para onde vou?

Quem sou eu?

Tais perguntas sempre fizeram parte do imaginário coletivo da humanidade. Constitui-se uma dimensão natural do homem, uma curiosidade natural querer saber sua origem, seu destino, sua constituição, enfim, sua própria identidade. Porém, se as perguntas sempre existiram, as respostas para elas também da mesma forma, sempre existiram.

Se observarmos os registros mais antigos da humanidade, em qualquer cultura, encontraremos tentativas de respostas para a pergunta acerca do sentido da existência do homem, afinal, é disso que se trata; esclarecer qual o sentido de nossa existência.

Nas pinturas rupestres do homem das cavernas, encontramos referências a essa questão, o mesmo nos manuscritos de Qunran[2] e tantos outros registros já encontrados e catalogados pelas ciências como a antropologia e a arqueologia, de registros muitas vezes incontestáveis devido à utilização dos testes realizados com o radiocarbono[3] também conhecido como carbono 14.

Mas, ainda que as perguntas se estendam pela eternidade da existência humana, será que as respostas encontradas sempre foram as mesmas? Será que em todos os momentos da história da humanidade, em que uma resposta foi proposta, ela foi suficientemente aceita? E o que dizer sobre a forma utilizada para encontrar tal resposta.

Uma resposta suficientemente aceita é aquela que dá conta de responder, de modo satisfatório, à pergunta que a originou. Portanto, se a pergunta ainda persiste isso se deve inevitavelmente ao fato de que as respostas obtidas não atendem a todas as expectativas de todos os homens em todos os momentos de sua existência.

É perfeitamente aceitável que cada área do conhecimento humano busque contribuir de forma efetiva para com a formulação dessa resposta, porém, da mesma forma, é também perfeitamente aceitável que tais contribuições sejam insuficientes para dar conta de toda a complexidade que essa pergunta exige, e que por isso mesmo ousaremos chamá-la de “Original”.

O MITO

Ao longo da história humana observamos diversas dessas respostas – ou tentativas de respostas – à pergunta “Original”, contudo, nos interessa aqui, de modo especial, a resposta formulada pelos gregos anteriormente ao nascimento da filosofia por volta do final do século VII AC. Trata-se dos mitos.

Etimologicamente a palavra origina-se do grego [μυθος] "mythós" que por sua vez deriva de dois verbos:

è Mytheyo que designa contar, narrar, falar alguma coisa para outros.

è Mitheo que designa conversar, contar, anunciar, nomear, designar.[4]

Segundo um dos mais influentes historiadores da contemporaneidade, o romeno Mircea ELIADE (1907-1986) uma tentativa de definir o mito pode ser a seguinte:

“O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares (...) o mito é considerado como uma história sagrada e, portanto, uma história verdadeira, porque se refere sempre a realidades. O Mito cosmogônico é verdadeiro porque a existência do mundo está aí para o provar, o mito da origem da morte é também verdadeiro porque a mortalidade do homem prova-o”.(ELIADE, 1986, Pág 12-13).

 

De acordo com esse autor, é possível entender e compreender a realidade de um mito, bem como seu caráter de veracidade, isto é, compreender que ele é verdadeiro e que, mais que verdadeiro, ele trata de aspectos do cotidiano das pessoas buscando explicá-los, elucidá-los, tornando-os efetivamente compreensíveis ao domínio público.

O mito não é uma realidade intelectual nascida de uma teorização acadêmica, ao contrário, trata-se da explicação comum para um determinado aspecto da realidade de um grupo social, nascido da experiência coletiva desse grupo.

Dentre os gregos da antiguidade, essa foi a forma primeira que utilizaram para explicar o mundo e as coisas que aconteciam. Com o mito explicavam a vida, a morte, a saúde, as doenças, a colheita, as tempestades, enfim, explicavam a realidade. Essa é a função do mito, explicar, dar sentido à realidade.

Entre os gregos antigos, os mitos existiram sob três formas específicas, isto é, havia três formas mitológicas pelas quais eles buscavam compreender e explicar o mundo à sua volta:

 

a)   As genealogias

Tudo o que existia era decorrente das relações sexuais entre as divindades, as quais seriam as responsáveis por “gerarem”, dentre outras, os demais deuses, os titãs, os heróis, os humanos, os animais, as qualidades etc. é assim, por exemplo, que explicam o nascimento de Eros (Cupido) deus do Amor. Em sua obra “Teogonia”, o poeta Hesíodo narra o nascimento de Eros como filho de Caos, porém não tardou muito para surgirem outras versões que o colocam como filho de Afrodite com Zeus, Hermes ou Ares. Eros, de acordo com a narrativa platônica exposta em “O Banquete”, é o filho originado da relação entre a deusa Pínia (Pobreza) e o deus Poro (o Expediente). Assim é a narrativa das genealogias, as coisas – como Eros, Amor – vão se originando das relações – uniões -  sexuais existentes entre as divindades.

 

b)   As Guerras ou Alianças

Outra forma de explicação mitológica recorrente entre os gregos eram as guerras ou alianças estabelecidas entre os deuses. A rivalidade encontrada provocava a aliança entre uns e a guerra entre outros, e de acordo com as narrativas, era isso que fazia surgir as coisas no mundo dos homens. É assim que acontece, por exemplo, na Guerra de Tróia narrada por Homero na Ilíada. As deusas, ao aparecerem em sonho ao príncipe troiano Paris, lhe ofereciam seus dons, rivalizando entre si. Paris, contudo, escolhe o Amor, ofertado a ele por Afrodite e isso desperta o ciúmes e a ira das outras deusas, as quais, como forma de vingança, o fazem raptar Helena, a esposa do general grego Menelau, e é isso que dá origem à lendária Guerra de Tróia. Aliás, durante a guerra, é a própria rivalidade que explica também o fato de ora os troianos, ora os gregos vencerem a batalha, isso se deve, de acordo com o mito, ao que Zeus tende em cada momento, ou seja, a Guerra de Tróia divide também os deuses que rivalizam entre si de modo que quando Zeus apóia um dos lados, o faz vencer uma batalha, impondo a derrota ao outro, e vice-versa em outro momento. Dessa forma, é a rivalidade ou a aliança entre os deuses que faz surgir as coisas na terra dos homens.

 

c)   Os Castigos ou Recompensas

Pelo seu caráter, os deuses “deveriam” ser obedecidos pelos homens, pois sua natureza divina lhes proporcionava um lugar “mais alto” que os humanos na hierarquia dos seres. Contudo, vez ou outra eram desobedecidos pelos humanos ou até mesmo por outros deuses “inferiores”, diante disso é que aconteciam, então, os castigos, ou ao contrário, as recompensas quando eram obedecidos. Um exemplo dessa forma de narrativa é o mito de Prometeu:

 

A Prometeu e seu irmão Epimeteu foi dada a tarefa de criar os homens e todos os animais. Epimeteu encarregou-se da obra e Prometeu encarregou-se de supervisioná-la depois de pronta, assim Epimeteu atribuiu a cada animal seus dons variados, de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras a outro, uma carapaça protegendo um terceiro, etc. Porém, quando chegou a vez do homem, que deveria ser superior a todos os animais, Epimeteu gastara todos os recursos, assim, recorre a seu irmão Prometeu que com a ajuda de Minerva roubou o fogo que assegurou a superioridade dos homens sobre os outros animais. Todavia o fogo era exclusivo dos deuses. Como castigo a Prometeu, Zeus ordenou a Hefesto acorrentá-lo ao cume do monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia (ou abutre) ia dilacerar o seu fíghado que, por ser Prometeu imortal, regenerava-se. Esse castigo devia durar 30.000 anos.

Prometeu foi libertado do seu sofrimento por Hércules que, havendo concluído os seus doze trabalhos dedicou-se a aventuras. No lugar de Prometeu, o centauro Quíron deixou-se acorrentar no Cáucaso, pois a substituição de Prometeu era uma exigência para assegurar a sua libertação.

A história foi teatralizada pela primeira vez por èsquilo no século V a.c. com o título de Prometeus desmotes (Prometeu Agrilhoado/Acorrentado).” [5]

Como é facilmente perceptível, o mito possui em si mesmo algumas características que o fazem ser tomado como verdadeiro tantos pelos antigos quanto pelos contemporâneos pois possuiam em seu iinterior a força necessária para explicar, a jovens e velhos, os aspectos mais profundos da realidade humana. Podemos destacar como cracterísticas do mito:

 

a) Presença constante das divindades

O mito não acontece somente com a presença Humana. Há em seu interior a necessidade de atuação de uma ou mais divindade.

 

b) Presença do mágico

Devido a atuação das divindades, há na anrrativa mitológica constantemente, a atuação de forças mágicas, fabulosas, que interpelam o homem na sua realidade e são as responsáveis pelos acontecimentos.

 

c) Mediação entre o sagrado (deuses) e o profano (humanidade)

São as forças divinas as responáveis pelos acontecimentos que interferem e determinam a realidade humana, portanto, eis o seu papel fundamental, mediar esses dois mundos.

 

d) Explicação da vida humana

Embora permeado de deuses e ações fantástica, não é a vida dos deuses ou seus humores o principal objetivo dos mitos, mas sim a vida humana. É a realidade humana que está sendo explicada na narrativa mitológica, seja ela Cosmogônica (origem do mundo) Teogônica (origem dos deuses) ou Escatológica (fim do mundo).

 

e) Primordialidade

A narrativa mitológica sempre se reporta há tempos primordiais, isto é, ao tempo da origem dos homens ou antes deles, na origem dos deuses.

 

Durante séculos os mitos resolveram o problema proposto pela pergunta “Original”, e não pensemos que atualmente perderam sua força, muito pelo, contráio, ainda hoje produzimos mitos aos montes, porém, se antes eles contavam com a hegemonia explicadora do mundo, hoje ele tem fortes concorrentes como a Ciência, as Religiões, a Arte e também a Filosofia.

 

NASCIMENTO DA FILOSOFIA

Como já vimos, nenhuma resposta foi suficientemente completa para dar conta de responder à pergunta “Original”, nem mesmo o mito.

Por volta do século VII a.c. tem início na Grécia uma nova tentativa de reposta à pergunta “Original” a qual caracteriza-se principalmente pela forma inovadora com que aborda o problema. Trata-se do nascimento da Filosofia.

Diferente do que muitos imaginam, a filosofia, em seu nascimento, não constitui-se como uma ruptura com o mito, tampouco como uma oposição a ele, mas nasceu como uma nova forma de olhar aquilo que os mitos já haviam proposto como explicação da realidade humana

Diversos foram os fatores que influenciaram o nascimento da Filosofia, dentre os quais podemos destacar:

 

a) a geografia da Grécia

Incrustrada entre montanhas, as terras que perfaziam o território grego eram pouco favoráveis à agricultura como fonte de renda. Aliado a esse fator temos a sua posição de centralidade no mediterrâneo. Isso praticamente forçava os gregos a dedicarem-se, inevitavelmente, ao comércio marítimo e às navegações, o que lhes permitiu descobrir que os lugares habitados por deuses, titãs e heróis, segundo os mitos, eram na verdade habitados por outros seres humanos, e que as forças fabulosas não estavam presntes ali, comoo diziam as narrativas.

 

b) o desencantamento do mundo

As navegações provocaram certo desencantamento[6] do mundo, ou seja, ao conhecer uma nova terra, um novo local e perceber que ali não haviam monstros ou deuses ou qualquer outro elemento fabuloso como antes os mitos afirmavam, os gregos começaram a sentir a necessidade de uma nova forma de explicação do real, que o mito não poderia mais fornecer.

 

c) a vida urbana

A aglomeração de pessoas em um modo de vida predominantemente urbano trouxe uma série de necessidades e de mudanças, dentre as quais destacamos a invenção e o uso da moeda, que estimulou o desenvolvimento do pensamento abstrato e trouxe consigo também a invenção do calendário e da escrita alfabética entre os gregos.

 

d)   o nascimento da Política

A vida Urbana, o pensamento abstrato, poderíamos dizer, não são outra coisa senão decorrências de uma das maiores contribuições dos gregos para a civilização ocidental, a saber, a idéia de “Pólis”[7]. Dela origina-se, posteriormente a “Política”  e desta, num processo dialético, a Filosofia.

 

Embora tenha seu nascimento datado no fim do séc VII a.c., e o primeiro filósofo considerado pela tradição seja Tales de Mileto (624 – 546 a.c.), a Filosofia somente recebe esse nome por volta de 530 a.c. de Pitágoras de Samos (570 – 496 a.c.) o qual é constituído a partir de dois radicais gregos:

è philos: que designa “amigo”, “amante” pois, origina-se de outro radical grego “Phatós” que por sua vez indica afeto, paixão.

è sophia: que designa “sabedoria” pois origina-se de “sóphon” que indica aquele que é sábio.

Assim, a palavra filosofia [φιλοσοφία] quer dizer “Amante da sabedoria”. Cabe aqui tecermos algumas considerações acerca dessa definição, que embora pareça simples, é de uma complexidade enorme. Não podemos nos esquecer que estamos falando de uma designação constrúida há mais de 25 séculos, e portanto, deve ser analisada com muito cuidade para se evitar as imprecisões.

Por phylo = amante a palavra filosofia quer significar aquilo que realmente nos afeta, ou seja, aquilo que provoca, de alguma forma, uma mudança na vida cotidiana, seja ela no comportamento, nas crenas, ou nos valores do indivíduo. Por sua vez, a palavra sophia = sabedoria quer significar o conhecimento verdadeiro, válido, racional para os gregos, ao qual eles opunham a opinião = doxa a qual julgavam um conhecimento  aparente, portanto, desprovido de verdade.

Sendo assim, a filosofia buscará, a exemplo dos mitos, construir uma explicação para a realidade e os seus fenômenos, contudo, baseará sua investigação em outros princípios, diferentes daqueles mágicos e fabulosos encontrados no mito.

 

Características do conhecimento filosófico

Tomaremos como referência o que aponta o professor Dermeval SAVIANI, “a filosofia é uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade apresenta” [8]. Analisemos detalhadamente essas características, pois são elas que nos dão a dimensão exata do ponto em que a filosofia nascente da grécia aparece como “superação” da narrativa mitológica.

 

a) a filosofia é radical

O que significa ser radical? O que seria algo radical?

Você com certeza já pensou em esportes radicais, como por exemplo, andar de skate, fazer aquelas manobras arrojadas, ou então saltar de “bung jump”, fazer rappel, trilhas, motovelocidade enfim, um infinidades de coisas atualmente respondem pelo sentido de radicalidade. Contudo, será que são mesmo radicais? E se o são, o que justifica sua radicalidade?

Pois bem, examinemos com calma e tomaremos algo que seja realmente radical. A mandioca!

Com certeza lhe causamos certa estranheza, e você deve estar se perguntando um tanto quanto incrédulo: O que mandioca tem a ver com radical?

Pois eu lhe asseguro que nessa vida, nada há mais radical que a mandioca. Pode haver algo tão radical quanto, porém, mais radical certamente não há. A palavra “Radical” indica aquilo que refere-se à raiz. Pois bem, mandioca é radical pois é a raiz de um arbusto cujo nome científico é Manihot esculenta[9]. Como dissemos, portanto, nada é mais radical que a mandioca. Mas e a filosofia, por que é radical?

Pelo mesmo motivo que a mandioca o é. A reflexão filosófica não se contenta com as aparências das coisas, mas quer encontrar a raiz das questões, as suas causas primeiras. O que dizer então da pergunta “Original” à luz da filosofia? Os primeiros filósofos – os Jônicos – buscaram encontrar a causa primeira de tudo o que existe e a denominaram “Arché”.

 

b) a filosofia é rigorosa

Imagine-se andando na rua de uma grande cidade, movimento de pessoas apressadas, carros indo e voltando, motocicletas, vendedores ambulantes e tudo mais que uma cidade tem de poluição sonora e visual, e você está sem relógio. Querendo saber das horas, interpela alguém que passa por você e educadamente lhe pergunta:

_ Você, por gentileza, tem horas?

O transeunte, apressado, lhe olha, acena com a cabeça e responde que “sim”, porém, sem dar-lhe mais confiança, segue apressado seu caminho.

Certamente você já o classificou como mal educado. Mesmo apesar de toda sua polidez, a pessoa sequer dignou-se a responder-lhe sua pergunta corretamente. Porém, voltemos cuidadosamente à cena; qual foi a sua pergunta?

_ Você, por gentileza, tem horas?

À sua pergunta, para um ouvinte mais atento, somente há duas possíveis respostas: Sim ou Não, e seu interlocutor foi rigoroso na resposta. Ora, se você quer saber que horas são agora, porque não formula a pergunta corretamente, de forma que a resposta seja exatamente a que você procura, po exemplo:

_ Você poderia, por gentileza, me dizer que horas são agora?

Isso é ser rigoroso, é ser exigente, exato, preciso. A reflexão filosófica busca exatamente essa dimensão da realidade humana. Não há espaços, na filosofia, para a imprecisão, para o meio termo. As coisas são ou não são.

 

c) a filosofia é “de conjunto”

Todos nós permanecemos atentos aos jogos olímpicos de Pequim e ao final das competições tínhamos um sentimento comum. Vimos algumas medalhas de ouro contadas como certas nos escaparem pelos dedos. Foi o caso, por exemplo, do vôlei masculino, tanto o de quadra quanto o de praia. Outra situação comovente foi a derrota “desconcertante” para os “Hermanos” no futebol masculino e para as “Gringas” no feminino. Os comentáristas esportivos alardeavam após as competições: “Perdemos o ouro!”.  Ora, uma constatação simples nos indica que o verbo “perder” está sendo conjugado na 3ª pessoa do plural – “nós” – e indica, portanto, que eu e você tivemos alguma coisa a ver com essas derrotas. Porém, poderíamos nos perguntar: “Nós” efetivamente estávamos lá? Qual foi a sua ou a minha contribuição naqueles jogos para que fosse possível atribuir a derrota a “nós”?

E no caso de vitórias? Qual será a sua ou a minha parcela no prêmio para que nos seja possível dizer que “nós” ganhamos medalha de ouro, de prata ou ainda o bronze nessa ou naquela modalidade esportiva?

Nesses casos trata-se claramente de uma generalização apressada e indevida, somente possível se observarmos apenas uma parte do fato. Ora, a seleção brasileira de vôlei masculina, comandada pelo técnico Bernardinho, perdeu o último jogo para a seleção norte-americana, e com isso conquistou a medalha de prata, porém, foram eles, os jogadores, técnico e no máximo poderíamos incluir a comissão técnica. Os torcedores ali presentes talvez também tenham tido uma parcela mínima de contribuição ao incentivar ou não o time, porém, imaginamos que “nossa” possível participação encerra-se aí. Não foi o “Brasil” que ganhou ou perdeu, foi a seleção, e como o próprio termo já indica, algumas pessoas selecionadas por esse ou aquele motivo, porém, algumas pessoas somente.

Fora o alcance dos desdobramentos político-ideológicos – muito mais ideológicos que políticos - que possam ter uma vitória ou derrota numa competição esportiva, não há nenhum outro fato que ligam você ou eu ao resultado desses eventos.

O que estamos dizendo é que tais “generalizações” somente são possíveis porque toma-se indiscriminadamente uma parte pelo todo. Isso não é filosófico. Não podemos generalizar a característica de um elemento para o grupo todo, mas para isso, é preciso ser capaz de uma abordagem adequada do “todo”.

O conhecimento filosófico busca, incansavelmente, a visão do todo, a percepção do conjunto, e não pode ser parcial.

Observemos, por exemplo, um cartun de Quino[10] onde se passa o seguinte diálogo entre as personagens Mafalda e Susanita:

 

Mafalda: _ Quando eu vejo um pobre fico com o coração apertado!

Susanita: _ Eu também

Mafalda: _ Deviam dar casa, trabalho, proteção e bem-estar aos pobres

Susanita: _ Pra que tudo isso? Era só escondê-los![11]

 

A personagem Mafalda preocupa-se com o conjunto do problema. Percebe o problema da pobreza em sua totalidade, e é isso que a aflige, já sua amiga Susanita ocupa-se apenas com um dos aspectos: a aparência. Não demonstra preocupação com o problema, apenas com seu aspecto visível, portanto, a solução mais prática é simplesmente escondê-lo.

Assim é o conhecimento filosófico, nunca está satisfeito com a parcialidade, em esta lhe tem alguma validade, a não ser como ponto de partida para a construção do conhecimento.

A dimensão de totalidade, ou de conjunto, não significa dizer que o filósofo tenha a pretensão – ingênua – de conhecer TUDO. Apenas significa que não é possível conhecer verdadeiramente sem uma visão ampla do conjunto. É a dimensão de totalidade que pode nos fornecer o equilibrio necessário para a construção de um conhecimento verdadeiramente coerente e coeso, sem lacunas ou contradições.

 

Percebemos enfim, que a filosofia, pelas suas características, constitui-se como uma postura que o sujeito assume diante da realidade que o cerca, postura essa marcada pela presença indelével da capacidade de crítica e resignificação das coisas e do mundo.

 

 

SÍNTESE DA UNIDADE

Nessa unidade estudamos o que é e sobre o que trata o conhecimento filosófico. Para tanto estudamos uma forma de explicação da realidade que antecede o conhecimento propriamente filosófico, o mito, e identificamos as distinções fundamentais entre ele e a Filosofia.

Com efeito, o mito consiste em um discurso, uma narrativa sobre a origem de alguma coisa, ele explica, ordena e interpreta a origem do mundo e de tudo o que existe nele. O Mito é caracterizado, como vimos, por ser uma narrativa que lança mão de elementos fabulosos e divinos na sua constiuição.

Assim como o Mito a Filosofia também está preocupada com os problemas implicados na realidade humana. No entanto, diferente da narrativa mítica, a Filosofia se caracteriza por uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto. Isso quer dizer que a Filosofia não aceita o terreno do fabuloso, do mágico e procura uma reflexão com coerência interna e definições rigorosas de conceitos.

Desse jeito, embora a Filosofia se preocupe com a realidade do mundo, assim como o Mito, ela surge como algo diferente na medida em que é resultante de uma ruptura em relação à atitude diante do saber recebido. “Enquanto no mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada” (ARANHA, 1993). A filosofia, assim, põe de lado o sobrenatural enquanto explicação dos fenômenos e lança mão de uma atitute crítica diante a realidade humana.

 

 

BIBLIOGRAFIA

ARANHA, Maria Lucia Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1989.

COULANGES, Fustel. A cidade antiga. Tradução Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Lisboa: Edameris, 1967.

CHAUI, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2004.

_______ Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2005.

_______ Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume I. São Paulo: Brasiliense, 1994.

GHIRALDELLI JR, Paulo. Filosofia da Educação. São Paulo: Ática, 2006.

PLATÃO. A República; apresentação e comentários de Bernard Piettre, tradução de Elza Moreira Marcelino. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Ática, 1989.

 

 



[1]OLIVEIRA, Claudemir. Filosofia da Educação. Araras – SP: NEAD Uniararas, 2008.  O texto refere-se à Unidade I – Conhecimento Filosófico - do material didático desenvolvido para a disciplina Filosofia da Educação no NEAD (Núcleo de Educação a Distancia) da Uniararas.

[2] Refere-se aos “rolos” de pergaminhos encontrados nas cavernas de Qunran em 1948, que segundo documentos históricos trata-se de originais dos textos bíblicos (judaico-cristãos) escondidos nas cavernas pelos judeus antes dessa comunidade - Qunran - ter sido dominada e destruída pelos romanos. Também são conhecidos como “pergaminhos do mar morto”

[3] A técnica do carbono-14 foi descoberta nos anos quarenta por Willard Libby. Ele percebeu que a quantidade de carbono-14 dos tecidos orgânicos mortos diminui a um ritmo constante com o passar do tempo. Assim, a medição dos valores de carbono-14 em um objeto antigo nos dá pistas muito exatas dos anos decorridos desde sua morte.Esta técnica é aplicável à madeira, carbono, sedimentos orgânicos, ossos, conchas marinhas - ou seja todo material que conteve carbono em alguma de suas formas. Como o exame se baseia na determinação de idade através da quantidade de carbono-14 e que esta diminui com o passar do tempo, ele só pode ser usado para datar amostras que tenham até cerca de 50 mil a 70 mil anos de idade. (Wikipédia)

 

[4] CHAUI, 2004, Pág 23.

[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu  acessado em 25/08/2008

[6] Desencantamento refere-se ao fato de perder o encanto, a magia, o mistério, essenciais ao mito.

[7] Para aprofundamento do conceito de surgimento e evolução da Polis na Grécia, consultar:

 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Tradução Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo; Edameris, 1967. Versão digitalizada disponível em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cidadeantiga.html

[8] SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira; estrutura e sistema, pág 69 apud ARANHA, Maria L de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1989. Pág 6

[9] No Brasil possui muitos sinônimos, usados em diferentes regiões, tais como candinga, castelinha, macamba, maniva, maniveira, moogo, mucamba, pão-da-américa, pau-farinha, uaipi, xagala, dependendo da região em que se encontra.

[10] QUINO, Joaquín Salvador Lavado, nasceu em17 de Julho de 1932 na provícia Argentina de Mendoza. Atualmente é considerado um dos maiores cartunistas do mundo. A “tira” reproduzida acima contempla seu personagem mais famoso, a menina Mafalda que com sua inquieta alma infantil questiona o mundo e todos os problemas que a afligem. Acima ela conversa com sua amiga Susanita, para quem a vida é uma imensa vitrine repleta de futilidades as quais ela deseja ver sempre bela, inutil, mas bela aos olhos. Os questionamentos da Mafalda começaram a ser publicados em 1964 em diversas “tiras” de jornais, e foram interrompidos em 1973, porém, seu valor como crítica ao comportamento contemporâneo rendeu o devido reconhecimento ao seu criador.

[11] [QUINO, Mafalda.  apud GUIRALDELLI, 2006, pag 14]

 

 


 

 

 

RELAÇÕES ENTRE A PEDAGOGIA E A FILOSOFIA

                                                                                                                                                                    Prof Ms Claudemir Oliveira

                                                                                                                                                                  

EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM

Metas: Ao final desta unidade esperamos que você:

  • Entenda o que é a Pedagogia;
  • Compreenda qual deve ser o propósito da Educação;
  • Entenda a definição de Filosofia da Educação;
  • Compreenda qual é a relação entre Educação e Filosofia.

Palavras chave: Pedagogia, Prática educacional, Reflexão, Ciência, Educação, Filosofia.

MOBILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

Iniciando o caminho...

Introdução

Nesta unidade trataremos a relação existente entre a Filosofia e a Pedagogia. Ao propor esse tema já estamos tomando como pressuposto que há realmente uma relação entre ambas, contudo, o senso filosófico já nos incita a “desbanalizar tal constatação, isto é, já estamos sentindo aquela pequena indignação, gérmen de toda grande reflexão. Oxalá ao término dessa unidade tenham realmente conseguido elevar-se, sobre as asas de sua curiosidade, a uma grande reflexão.

Se você leu atentamente a primeira unidade, percebeu que a filosofia nasce do “Espanto”[1] que em sentido lato indica um certo “des-acomodar, um “des-ajustar”, um “des-arrumar” das coisas que antes pareciam todas arrumadas, todas certinhas. A Filosofia nasce da necessidade que sentimos de “reorganizar”  o mundo à nossa volta.

O nosso mundo, muitas vezes, nós o apoiamos em verdades, em conhecimentos, em crenças, em valores, enfim, em coisas que nos dão certeza de que algo é assim e não de outra forma. Contudo, o filósofo, por natureza e por essência, não se conforma com o mundo, não se acomoda diante das verdades, tampouco das mentiras, não se satisfaz com as aparências das coisas.

Lembram-se das características do conhecimento filosófico (de conjunto, rigoroso e radical), que foi explicitado na Unidade 1, pois bem, esse conjunto de características incute na pessoa do filósofo uma postura diferente daquela que presenciamos, por exemplo, no religioso ou no cientista.

Ao deparar-se com a pobreza, por exemplo, a razão religiosa se compadece, a razão científica equaciona, mas a razão filosófica se inquieta. O filósofo diante da pobreza não busca somente a filantropia ou a racionalização, mas, acima de tudo, se espanta, se inquieta, torna-se racionalmente aguçado uma vez que busca ao seu modo (de conjunto, rigoroso e radical) o sentido próprio da pobreza, em outras palavras, a(s) sua(s) causas(s) primeira(s). Se o religioso vê o pobre, o cientista vê o empobrecimento, o filósofo por sua vez vê a pobreza.

Não pretendemos dizer com isso que o filósofo não possa ser, ao mesmo tempo, religioso ou cientista. Mas ainda que o seja, o modo pelo qual aborda a realidade difere desses dois, pois em sua busca movimenta-se internamente no sentido de conhecer a essência do objeto.

Por essência compreendemos aquilo que existe, de forma imutável, em alguma coisa e, portanto, a faz ser o que ela é. Ora, ao afirmar que o filósofo busca a essência da pobreza, por exemplo, estamos afirmando que ele movimenta-se internamente no sentido de buscar aquilo que faz a pobreza ser o que é, em outras palavras, aquilo que existe como característica na pobreza e que não muda.

Ao apontarmos o outro lado dessa relação, a pedagogia, e partirmos em busca de seu sentido, nós o buscamos como filósofos, o buscamos na sua essência.

 

Etimologia

Mas, qual é, afinal, a essência da pedagogia?

Quando iniciamos uma investigação filosófica, um bom começo é analisar o nome das coisas, pois o nome, muitas vezes, contém a essência daquilo que estamos analisando. Às vezes essa regra não funciona, mas geralmente é um bom indicativo.

A filosofia toma como referência para a problemática da relação entre o nome e a essência das coisas o diálogo platônico Crátilo.

[...] Ó Hermógenes, filho de Hipónico, há um antigo provérbio que diz que as coisas belas são difíceis, quando se trata de aprender; e a aprendizagem dos nomes não será com certeza coisa pequena. [PLATÃO, 1994, 384ª-b]

O filósofo Platão[2] defendeu em seu diálogo, intitulado de Crátilo[3], que há uma oposição de teorias em relação à participação ou não do nome na essência das coisas. Esse diálogo platônico se dá entre dois jovens, Crátilo e Hermógenes e é mediado por Sócrates. A oposição exposta no diálogo platônico consiste em saber se os nomes contêm a essência – natureza - das coisas ou se lhes são atribuídos por convenção.

Ao final do diálogo o próprio Sócrates - narrado por Platão, já que este filósofo não deixou nenhum texto escrito, e o que sabemos dele e de seu pensamento, o sabemos por intermédio de seu mais ilustre discípulo, Platão – que adota uma posição intermediária entre ambas as afirmações.

Quando Platão [1994, vv. 383a] afirma a Hermógenes que “[...] cada um dos seres tem um nome correcto (sic) que lhe pertence por natureza”, Sócrates posiciona-se em favor de Crátilo e concorda com a participação do nome na essência das coisas, contudo, logo em seguida, ele mesmo afirma a Hermógenes que “[...]o nome que alguém puser a cada coisa, esse será o nome correcto (sic)”[1994, vv. 384d]. Nesse momento Sócrates posiciona-se em favor da aceitação de que os nomes existem por convenção.

A análise dos nomes tornou-se atualmente uma ferramenta importantíssima do conhecimento denominada Etimologia.

Uma análise etimológica da própria palavra etimologia (ἐτυμολογία) indica que trata-se de uma palavra composta de dois radicais gregos: Étimo (ἔτυμον) que significa uma palavra-fonte originada de uma outra língua e, possivelmente, modificada. Em grego, étimo quer dizer o verdadeiro significado de uma palavra, pois se origina de étimos que quer dizer verdadeiro. O outro radical que compõe a palavra Etimologia é “logos” (λόγος) que é ciência, tratado, conhecimento. A etimologia é, portanto, uma parte da gramática que se ocupa da explicação do significado das palavras pelo estudo de sua história, origem e evolução.

O termo etimologia foi traduzido do grego para o latim pelo poeta romano Cícero como veriloquium, que significa a maneira de falar verdadeira.

Como você pode ter percebido, compreender o significado de um nome, a história de sua origem e evolução pode ser um enorme passo para a apreensão do sentido das coisas. Para o filósofo, que busca incessantemente a essência, essa pode ser uma ferramenta imprescindível. Obviamente, como já alertou Sócrates, no Crátilo platônico, os nomes podem existir, às vezes, somente por convenção e não dizerem nada a respeito da essência das coisas, mas outras vezes, é exatamente a essência que nos é relatada ao nomear-se algo.

Tomemos, enfim, a palavra Pedagogia.

Etimologicamente a palavra Pedagogia se origina também entre os gregos e é formada pela junção de dois radicais: Paidós que designava criança e Agogés (Agogós em algumas traduções) que designava condutor. O Pedagogo era, portanto, um “condutor de crianças”. Essa função era designada a um escravo, cuja responsabilidade era levar, conduzir as crianças aos locais em que seriam “educadas” pelos Pedotribas, mestre das armas e artes da guerra em Atenas, e Didáscalos, os quais as instruíam na gramática das letras e no cálculo dos números. Essa Educação acontecia, por volta do século VI a.C em locais específicos, denominados pelos gregos como Gimnasyum.

Um outro agente, que merece destaque na formação do cidadão ateniense é o Pedagogo. Mas não nos iludamos, tratava-se de escravos encarregados de acompanhar as crianças ao Ginásio, para as palestras e também para vigiá-las. Embora não colaborassem de forma significativa na Educação intelectual, com certeza o faziam na Educação Moral das crianças, sob seus cuidados durante a maior parte do tempo. [OLIVEIRA, 1998, p. 82]

 

Como é possível perceber, o nome “Pedagogia” nos revela muito de seu conceito, embora a sua evolução ao longo da história parece apontar para outra direção. Oliveira apresenta, de maneira quase intuitiva o modo pelo qual a Pedagogia passou, no decorrer da história, de uma função escrava para um elemento educacional.

Seria interessante perceber o processo pelo qual o Pedagogo assumiu as características que possui atualmente e como o fez, mas, no momento, somente podemos intuir algo a esse respeito, observando que ao acompanhar as crianças nas cerimônias religiosas, espetáculos teatrais, esportivos e, sobretudo, nas assembléias públicas e nos tribunais, excelentes escolas de democracia, os Pedagogos acabavam por assimilar muito do conteúdo transmitido coletivamente. Daí, podermos intuir, também, que passaram a ser, eles mesmos, os transmissores de tais conteúdos. Mas, essa é, apenas, uma hipótese [...] [OLIVEIRA, 1998, p. 82-83]

O que o autor nos apresenta aqui é uma possibilidade, uma hipótese explicativa de como pode ter acontecido a evolução do conceito de “conduzir a criança” transformando-a de atividade escrava a atividade formativa.

Todo esse percurso, contudo, seria interessante para uma história da Pedagogia, onde seria possível identificar essa trajetória com mais precisão. Porém, não é esse o nosso objetivo aqui, como apresentamos, no início da unidade, trata-se de compreender a relação existente entre a Filosofia e a Pedagogia, partindo, é claro, do pressuposto de que tal relação efetivamente exista.

Valemo-nos da análise do nome para compreender o que vem a ser a Pedagogia, a saber, depois da evolução histórica do termo, compreende-se atualmente como uma teoria na qual se aplicam os princípios voltados para a educação de crianças, jovens e adultos, sob o ponto de vista da formação do homem, ou seja, da sua humanização.

 

A Pedagogia

Quando falamos da Pedagogia, portanto, estamos falando de uma teoria da educação, um logos educacional.

Há em certa medida, um consenso na comunidade acadêmica de que a Pedagogia não é, atualmente, uma ciência, ou mais precisamente, a ciência da educação, ainda que congregue em seu campo de estudo os conhecimentos de diversas ciências como a sociologia, a psicologia, a história, a antropologia dentre outras. Não é uma ciência ao menos nos moldes em que compreendemos a ciência a partir dos séculos XIX e XX.

Ora, estamos buscando, já nesse momento, o que seria a essência da Pedagogia. Alguma semelhança com o que entendemos de filosófico?

Há, efetivamente, uma confusão terminológica que envolve a pedagogia e outras aéreas da educação. Convém dissiparmos antes esse “emaranhado semântico”[4] para adentrarmos de modo mais seguro no terreno da especificidade pedagógica a fim de que se verifique efetivamente a relação que estamos buscando.

Quando buscamos uma definição para Educação já se apresenta a confusão, pois, encontramos duas raízes para o termo, ambas originárias do latim. A Primeira é Educere que significa “conduzir de fora”e outraé Educare que significa sustentar, alimentar, criar. Ambos os sentidos são válidos ainda hoje.

Como Educere podemos nos referir á ação de instruir, governar, direcionar, ensinar. No que pese a necessidade de interação, mas podemos afirmar que esse sentido atinge, de forma mais apropriada, a ação daquele que ensina no processo de educação formal.

Por sua vez, o sentido de Educare pode ser atribuído à dimensão mais informal da educação, ou seja, à ação de cuidar.

É possível observar, contudo, que é muito tênue o limite entre Educere e Educare. Não há processo educativo que seja puramente formal, tampouco educação que se dê de forma estritamente informal.

Para fins de conceituação, separamos a educação informal da educação formal, porém, na prática educativa essa delimitação não se faz de maneira tão segura quanto no plano teórico.

A educação informal, muitas vezes, é tomada como a educação que acontece “espontaneamente” no contato que o indivíduo estabelece com os valores culturais de seu grupo. Não tem regras, não é normatizada e tampouco direcionada. Exatamente por esse fator, nos interessa aqui muito mais a outra maneira.

Por educação formal compreendemos as ações praticadas deliberadamente com o intuito de ensinar alguma coisa alguém por algum meio previamente estabelecido a partir de objetivos também previamente estabelecidos. De modo geral, é a educação que acontece no âmbito das instituições, dentre as quais a principal é a escola.

Embora haja um consenso de que atualmente a escola não ocupa o posto de “melhor lugar” em que a educação acontece, mas ela ainda é, com suas normas, princípios e valores, o ambiente destinado à educação formal.

É no que se refere à formalidade da educação que se situa a Pedagogia atualmente, pois, é a Pedagogia que se constitui como fornecedora dos princípios teóricos para a educação.

Compreende-se por princípio teórico a justificativa, no plano das teorias, de práticas desenvolvidas no cotidiano do processo ensino-aprendizagem. Eis, portanto, a essência da Pedagogia, justificar teoricamente a educação.

É certo que se faz necessário certo cuidado com essa afirmação, pois, uma vez que a estabelecemos, não podemos pensá-la como uma relação unilateral. Se a Pedagogia justifica teoricamente a Educação, é a Educação na sua prática que fornece sentido e existência à Pedagogia.

Sendo assim, o Pedagogo é quem se debruça sobre o fenômeno educativo para procurar elucidá-lo, compreendê-lo, e, sobretudo, aprimorá-lo.

Uma das principais tarefas da Pedagogia é buscar constantemente os princípios gerais que expliquem o processo da educação em toda a sua diversidade.

A expressão diversidade carrega em seu bojo exatamente os antagonismos presentes na educação, seja a educação ocorrida há séculos atrás, seja a educação que vivenciamos nesse exato momento, enquanto você está lendo esse texto.

"[...] Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.

Mas daqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.

[...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formandos nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.

Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, oferecemos aos nobres senhores que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens. "[5]

 

Isso nos remete a um fato inexorável do processo educativo, ele é cultural, ou seja, acontece dentro de realidades historicamente determinadas, e a investigação dessas realidades e de como são dadas as transformações também pode ser objeto de estudo da Pedagogia, ainda que em consonância e com o auxílio da História.

 

As “Ciências da Educação”

Nesse ponto, se faz necessário abrirmos o horizonte de compreensão para o fato de que tratamos, em educação, com diversas ciências, denominadas de ciências na educação. Contudo, não temos ciência da educação, pois as que assim se denominam não o são de fato.

A sociologia da educação, a psicologia da educação, a antropologia da educação, e economia da educação, enfim, todas as ciências denominadas ciência da educação são, na verdade, ciências que voltam seu olhar para o fenômeno educacional, mas o fazem dentro de seu método e objetivo específicos.

Tomemos por exemplo a psicologia da educação. Ao nos referirmos a ela estamos falando de uma ciência que toma o seu corpo conceitual, o seu método e o seu objeto próprio e direciona para o fenômeno educativo, ou seja, para ser psicólogo educacional há que ser, antes de qualquer coisa, psicólogo. O fato de direcionar-se ao fenômeno educativo não muda ou altera a característica própria dessa ciência.

O mesmo se dá com a sociologia, com a antropologia, enfim, com todas as denominadas “ciências da educação”.

Sabemos que para que um campo de conhecimento atinja o status de ciência faz-se necessário que cumpra algumas condições, tais como, ser possuidor de um corpo teórico próprio, um objeto de estudo próprio e uma metodologia própria. Ora, as denominadas “ciências da educação” não o são exatamente por isso. A psicologia ao voltar-se para a educação o faz do ponto de vista de seu objeto, método e corpo teórico próprio de psicologia, o mesmo se dá com a sociologia, com a antropologia e com todas as outras.

Será então, pedagogia a ciência da educação?

No meio acadêmico esse é um debate bastante atual. Há quem acene positivamente para a questão, afirmando que é a Pedagogia a detentora do corpo teórico, do objeto e do método específico do fenômeno educativo. Dessa forma, Cabanas [apud PIMENTA]:

Afirma-a como ciência prática e normativa da educação, preocupada com a ação de educar, com o ato educativo e com a intervenção nesse ato, para o qual se dirige a um só tempo com a intenção de conhecê-lo e de transformá-lo, munida, portanto, de uma intencionalidade, de um projeto. [1996, p. 50]

 

Em contrapartida, há também autores que defendem a idéia de que essa “Ciência” própria da educação não seria a Pedagogia, e sim a Didática como aponta PIMENTA;

Há muito se debate a natureza da Pedagogia, sua especificidade em face das ciências da educação, bem como a contribuição destas ao fenômeno educativo, particularmente ao ensino e à aprendizagem, área de estudo da Didática. E, articulados, neste caso, seria a Didática um conjunto mais ou menos articulado dos saberes produzidos nas ciências da educação, competindo-lhe aplicá-los enquanto uma tecnologia (não neutra) às situações de ensino? (1996: p.40)

 

De nossa parte, defendemos a idéia de que nem a pedagogia e tampouco a didática apontam para a possibilidade de assumir o posto de “Ciência” pelo fato de não vermos a possibilidade de redução do seu objeto a uma única área do conhecimento.

O fenômeno educativo é por demais complexo para ser esgotado em um único campo de conhecimento, pois, trata-se exatamente da multiplicidade e da diversidade que compõem a própria existência humana.

Sob esse aspecto, a Pedagogia ou tampouco a Didática são tidas como ciência. Como já vimos anteriormente, para ser Ciência é preciso, dentre outras coisas, ter um objeto próprio, delimitado. A isso chamamos critério de cientificidade.

Se considerarmos que o objeto de estudo da Didática é a ação intencional aplicada à aprendizagem e que o objeto de estudo da Pedagogia é a relação estabelecida entre professor e aluno numa situação de ensino aprendizagem, verificamos que tanto um quanto o outro não podem ser “abarcados” pela ciência. Temos então, um problema de insuficiência teórica.

Mas esse problema de insuficiência não é da Pedagogia ou da Didática que tratam da educação, cuja especificidade encontra-se na universalidade do ideal humano de formação, e sim do modelo de ciência vigente – a ciência moderna – o qual somente é capaz de conhecer cartesianamente, forma essa a qual não se enquadra a educação.

 

A Filosofia da Educação

Ao estabelecermos esse percurso, no início da unidade, nos propusemos a descobrir a efetividade da relação entre a Filosofia e a Educação.

É relevante observarmos uma prática recorrente quando se trata do tema aqui sugerido. Ao se propor o desenvolvimento de um programa de filosofia da educação, muitos docentes “recortam” os tópicos relacionados à educação, sua finalidade, por exemplo, e o analisam do ponto de vista de alguma teoria filosófica. É possível observar essa prática em vários cursos de graduação, sobretudo aqueles responsáveis pelas Licenciaturas, sejam elas de Filosofia, de Pedagogia ou qualquer outra área da formação de professores.

Isso certamente não é outra coisa senão uma banalização da Educação, da Pedagogia e da própria Filosofia.

Pensar uma Filosofia da Educação corresponde a pensar numa prática educativa totalmente voltada para a realização de um projeto educacional sonhado, idealizado e intencionalmente articulado.

Como já vimos, a Educação caracteriza-se, pela sua universalidade, como ideal da formação humana, e como tal, não pode ser tratada a partir de “recortes” mais ou menos estigmatizados nessa ou naquela teoria filosófica. Ela requer um projeto amplo, global e historicamente contextualizado. Somente sob esse aspecto é que se torna possível pensarmos uma Filosofia da Educação, ou seja, somente se a colocarmos sob o ponto de vista de uma compreensão do homem em sua situação real de existência.

Ao afirmarmos anteriormente que a filosofia constitui-se como uma postura assumida pelo indivíduo diante da realidade que o cerca, aceitamos implicitamente que a reflexão filosófica deve constituir-se como um ethos[6] educacional, isto é, aquilo que confere significado à educação.

Assim, torna-se efetivamente bastante complicado pensar-se numa educação, ou num modelo educacional que não esteja embasado, fundamentado e substanciado numa filosofia, pois é ela – a filosofia enquanto postura do homem frente ao mundo – que é capaz de conferir à prática educativa o sentido tão necessário ao seu desenvolvimento.

Quando realizamos uma ação educativa, já a realizamos com um objetivo determinado, ou seja, ela já está dotada de intencionalidade a tal ponto que nos permitirmos pensá-la como projeto. Para que a tivéssemos dessa forma, fez-se necessária anteriormente uma visão, um posicionamento, uma postura assumida por nós diante da realidade. Fez-se necessário uma Filosofia, e não há como ser de outra forma.

Retomamos aqui a dimensão de universalidade da educação, conforme podemos do modo como o aponta GHIRALDELLI

Nesse caso, a teoria da alma e a teoria social de Platão requisitaram uma pedagogia. Ela deveria comandar a educação dada na cidade. A educação institucional, para Platão, era destinada aos estamentos responsáveis pelo cuidado da cidade, ou seja, às classes governantes e seus auxiliares e aos soldados [...]. O sistema platônico completo, em sua totalidade, era de fato o próprio fundamento da pedagogia necessária à cidade justa. [2006. p. 57]

Eis, na sua essência, a efetividade da relação entre a Filosofia, enquanto a compreendemos como postura assumida diante do mundo e a Educação tomada como prática desenvolvida intencionalmente para a realização de um projeto de mundo, e porque não dizer, projeto esse diante do qual o indivíduo já assumiu uma postura.

Efetivamente, na história do pensamento filosófico do mundo ocidental não tivemos muitos modelos de “filosofias da educação” genuínas, no sentido em que expusemos. Em sua maioria, as teorias não conseguiram escapar da visão mutilada do “recorte” da realidade. Somente as grandes mentes conseguiram tal feito. GHIRALDELLI afirma “[...] Assim, o sistema platônico pode ser avaliado como uma filosofia e, ao mesmo tempo, como uma filosofia da educação”. [2006, p. 57]

 

SÍNTESE DA UNIDADE

 

Repensando e provocando...

Nessa unidade vimos que a Educação se define pela sua universalidade, como ideal da formação humana. Isso quer dizer que a Educação reclama um projeto de amplo alcance que contemple aspectos globais da existência humana e, ao mesmo tempo, que seja historicamente contextualizado.

É nesse sentido que a Filosofia da Educação deve ser pensada: como atividade de pensar em uma prática educativa que tenha como propósito a realização de um projeto educacional que vise compreender o homem em sua real situação de existência. A filosofia enquanto a assunção de uma postura acerca da realidade deve, por isso mesmo, se constituir como um ethos educacional de maneira a conferir sentido à educação.

Desse modo, torna-se equívoco pensar em um modelo educacional que não esteja fundamentado numa filosofia, uma vez que, por definição, é a filosofia – na medida em que se trata da postura do homem frente ao mundo - que confere à prática educacional seu propósito e sentido. Ora, quando a prática educativa é realizada, nela já está implicada um objetivo a partir do qual ação orienta-se intencionalmente, e isso de tal modo que é possível pensar essa prática nos termos de um projeto. Para que aja uma ação intencional, um projeto, um propósito educacional é necessário a assunção de uma perspectiva de mundo e de um conseqüente posicionamento: a filosofia.

 

AUTO-AVALIAÇÃO

Olhando para dentro... Olhando para fora...

Avalie o conhecimento adquirido nesta unidade, refletindo através dos parâmetros abaixo:

  • Eu compreendi o que é a Pedagogia?
  • Está claro qual deve ser o propósito de uma prática educacional?
  • Eu compreendi em que sentido não é possível pensar a educação de maneira desvinculada da Filosofia?

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lucia Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1989.

CAZUZA. Ideologia. Disponível em:< http://letras.terra.com.br/cazuza/43860/>. Acesso em: 23 dez. 2008.

CHAUI, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2004.

GHIRALDELLI JR, Paulo. Filosofia da Educação. São Paulo: Ática, 2006.

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1988.

OLIVEIRA, Claudemir. G. Paidéia: a educação como ideal de civilização. UFSCAR, 1998. (Dissertação de Mestrado).

PLATÂO-CRÁTILO.Diálogo sobre a Justeza dos Nomes. (tradução do grego Pe. Dias Palmeira) Lisboa: Editora Livraria Sá da Costa, 1994 .

PIMENTA, Selma Garrido. (coord) Pedagogia, ciências da educação? São Paulo: Cortez, 1996.

 

 

 

 



[1] Espanto. S.m. 1. Assombro, pasmo, admiração. 2. Sobressalto, susto, medo. 3. Terror, pavor, assombro. 4. Admiração, enleio, maravilha. 5. Sucesso imprevisto; surpresa. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Folha de São Paulo, Nova Fronteira, 1988.

[2] Este importante filósofo grego  nasceu em Atenas. A tradição filosófica data seu nascimento em 427 ou 428 a. C. e sua morte em 347 a.C. Escreveu sobre vários temas e influenciou profundamente a filosofia ocidental, principalmente com suas idéias sobre a diferenciação do mundo entre as coisas inteligíveis - o mundo das idéias -  e as coisas sensíveis – os seres vivos e a matéria.

[3] CRÁTILO-PLATÂO Diálogo sobre a Justeza dos Nomes, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1994 (tradução do grego Pe. Dias Palmeira)

[4] “Emaranhado Semântico”. Com essa expressão pretendo designar a confusão e a indeterminação de significados existente entre vários termos presentes na educação, principalmente entre a Pedagogia, a própria Educação e a Didática.

[5] [Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns dos seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns anos mais tarde Benjamim Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Disponível em  http://www.espirito.org.br/portal/artigos acesso em 009/2008]

[6] ETHOS é um termo genérico que designa o caráter cultural e social de um grupo ou sociedade. Designa uma espécie de síntese dos costumes de um povo, o que normalmente chamamos de “hábitos”, daí ser o radical da palavra ética. Segundo W. G. Summer é a "totalidade dos traços característicos pelos quais um grupo se individualiza e se diferencia dos outros”. O Filósofo alemão M. Heidegger dava à palavra ETHOS o significado de “Morada do Ser”.